Fronteira do Brasil com a Argentina


Bruno Capilé e Moema Vergara

Limite que separa o Brasil e a Argentina

O limite que separa o Brasil e a Argentina possuir a extensão total de 1261,3 quilômetros formado por 4 rios (rios Uruguai, Peperi-Guassú, Santo Antônio e Iguassú), e uma pequena faixa de terra de 25,1 quilômetros (Figura 1). No passado estes rios foram tema de discórdia entre as antigas metrópoles portuguesas e espanholas. A mudança no traçado fluvial influenciaria ganho ou perda territorial. Somente com a independência dos atuais países no século XIX, esta fronteira pode ser delimitada e demarcada no início do século XX.

História da fronteira Brasil-Argentina: mudando rios

A questão da fronteira entre Brasil e Argentina remonta aos tempos coloniais, momento em que diferentes tratados foram convencionados após anos de desavenças entre as metrópoles Portugal e Espanha. Os acordos de delimitação, defasados desde o Tratado de Tordesilhas (1494), precisavam de ajustes para legitimar as posses dos territórios desbravados e incorporados pelos bandeirantes. Entre esse e outros contextos o Tratado de Madri (1750) assegurou para Portugal as terras onde atualmente se encontram os estados do Rio Grande do Sul, partes de Santa Catarina e Paraná, entre outros. Em contrapartida foi cedido a Colônia do Sacramento e as pretensões ao estuário do Prata. Além das linhas geográficas, este tratado consagrou o direito romano do uti possidetis, a utilização dos contornos naturais (rios e montanhas) para a delimitação, a paz nas colônias ibéricas. Embora este documento tenha sido anulado pelo Tratado do Pardo (1761), ele definiu as linhas gerais que seriam seguidas a partir do Tratado de Ildefonso (1777).

Mapa do Tratado de Tordesilhas (1494)

Os trabalhos de demarcação, iniciados após a resolução do Tratado de Madri, prosseguiram de forma lenta pelas dificuldades na locomoção e sobrevivência em território inóspito, principalmente devido aos ataques indígenas dos Guaranis. Após episódios de violência e morte pode-se formar outra comissão que partiu em 1759 para exploração e demarcação. O conhecimento sobre a topografia regional era reduzido, sendo necessária a presença de índios e mestiços locais tanto para guiar a equipe, quanto para fornecer informações de nomes de montanhas e rios que funcionariam como limites. A missão era delimitar a partir de dois grandes rios, o Uruguai e o Iguassú, e uma conexão através de dois rios menores: o rio Peperi-Guassú, o qual já era limite desde o século XVII; e outro na vertente oposta, o Santo Antônio. Enquanto a turma de demarcadores portuguesa explorava e determinava os pontos geográficos, os espanhóis avançaram em território português na margem direita do rio Uruguai em direção a foz de outro rio que já figurava, embora sem nome, nos mapas do começo desse século. A partir deste rio que nomearam de Peperi-Guassú, buscaram no lado oposto da serra um rio para fazer a ligação entre os dois grandes rios. Na realidade estes rios eram, respectivamente, o Chapecó e o Jangada. Ao seguir a interpretação espanhola, os portugueses perderiam um território que correspondia a mais de 30 mil quilômetros quadrados, incluindo a parte ocidental dos estados do Paraná e Santa Catarina, tomando quase a totalidade da comarca de Palmas.

Com a independência das colônias, herdamos também os litígios territoriais com diversos países vizinhos. O Brasil Imperial possuía problemas suficientes com o gerenciamento de um grande território, o esfacelamento da economia, as reincidentes tentativas de fragmentação da nação em pequenos países (como ocorreu com os territórios espanhóis). O problema de renomeação de rios prolongou-se por um século e meio, mesmo após tentativa do governo imperial de elaborar uma nova comissão para solucionar a localidade destes rios. A questão já não conseguia ser solucionada pelas atividades científicas da demarcação, nem pela diplomacia entre Brasil e Argentina. Tornava-se necessário a presença de uma entidade para arbitrar esta contenda, embora a decisão de um arbítrio não fosse bem vista pela política imperial brasileira.

Mapa do Tratado de Montevidéu

O final do século XIX fermentou diversas mudanças políticas no Brasil, como o fim da escravidão e a decorrente queda do Império. Um novo fôlego surge para a resolução de antigos problemas. Em 25 de janeiro de 1890, uma iniciativa inusitada foi assinada pelo ministro da relações exteriores brasileiro, Quintino Bocaiúva, e pelo chanceler argentino, Estanislau Zeballos, no Tratado de Montevidéu. Este acordo solucionava a discussão simploriamente ao dividir área de litígio no meio através de uma meridiana geométrica. Sendo a parte ocidental, argentina e a oriental, brasileira. Na República Argentina esta solução foi festejada com grande entusiasmo. No Brasil, porém, ela produziu o mais profundo sentimento de dor e levantou unânimes e veementes protestos. A Comissão Especial eleita pelo Congresso Brasileiro para examinar o Tratado de Montevidéu opinou pela sua rejeição e pelo recurso ao Arbitramento. Esse parecer foi aprovado em sessão de 10 de agosto de 1891, por 142 votos contra 5.

De modo a evitar iniciativas equivocadas, o Congresso submeteu o arbitramento ao presidente norte-americano Grover Cleveland. Ambos países deveriam montar um relatório com as informações necessárias para definirem seus argumentos. O levantamento para a confecção do relatório elaborado pelo Barão do Rio Branco, auxiliado pelo General Dionísio Cerqueira, consistia em diversas fotografias, mapas com indicações de fronteiras, documentos de antigos tratados, relatórios e correspondências das antigas metrópoles, etc. O texto relata a história da região desde o tempo em que os bandeirantes ali se concentravam para atacar as missões do Uruguai, apresenta os diversos tratados, possui mais de 60 mapas confeccionados exclusivamente, e explana sobre os trabalhos das comissões demarcadoras anteriores, comparando as posições geográficas dos rios originais e os rios que os argentinos supunham ser. O laudo de 5 de fevereiro de 1895 do arbitramento do Presidente Cleveland favoreceu o Brasil ao estabelecer os limites pelos rios Peperi-Guassú e Santo Antônio.

Para evitar problemas futuros, a questão diplomática da fronteira finalmente se desfecha com a exigência do levantamento de marcos, presente no tratado de outubro de 1898, assinado por Dionísio Cerqueira enquanto ministro das relações exteriores (1896-1898). A comissão mista de brasileiros e argentinos decidiram estabelecer marcos principais para determinar pontos geográficos mais pertinentes, e uma série de marcos secundários e terciários colocados na fronteira seca, nas principais ilhas fluviais e em outros trechos. Estes marcos ainda existem até os dias de hoje, sendo reparados, substituídos, assim como novos foram erigidos.

Foto de Fototeodolito Laussedat
Fototeodolito Laussedat ? 1994/0179 Acervo MAST collection. Instrumento utilizado na demarcação da fronteira Brasil-Argentina em 1905.