Além do Céu

Concepção artística de ondas gravitacionais. NASA


“Começa uma nova fase. É como uma pessoa que não tem um dos sentidos, como a audição ou a visão, e passa a ter. A gente está ganhando um novo sentido nas medições, mas como nunca sentimos isso antes, nem sabemos o que vem pela frente”, afirma Patrícia Spinelli, astrofísica do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST).

Pesquisadores do LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) divulgaram a confirmação do que Einstein previra, um século atrás. “Senhoras e senhores, nós detectamos ondas gravitacionais. Nós conseguimos!”, afirmou David Reitze, diretor executivo do observatório americano, durante a conferência que anunciou o feito para o público.

No ano de 1916, o físico Albert Einstein previu, em sua Teoria Geral da Relatividade, a possibilidade de que a interação gravitacional entre objetos muitos massivos, como buracos negros ou pulsares (estrelas compostas apenas por nêutrons, relativamente pequenas, mas extremamente massivas), a uma velocidade muito alta, próxima à da luz, seria capaz de gerar uma perturbação no tecido do espaço-tempo que se manifestaria através de ondas, distorcendo o espaço por onde passasse. A esse fenômeno deu-se o nome de ondas gravitacionais.

A pesquisa do LIGO detectou de forma precisa, pela primeira vez, os sinais de uma onda gravitacional passando pela Terra. De acordo com a análise feita por uma colaboração internacional com mais de mil cientistas, incluindo 7 brasileiros, o que foi detectado pelo observatório teve origem em uma colisão entre dois buracos negros de, aproximadamente, 30 massas solares cada, que aconteceu 1.3 bilhões de anos atrás - ou seja, a uma distância de 1.3 bilhões de anos-luz de nosso planeta, já que tais ondas viajam na velocidade da luz.

Simulação da colisão entre dois buracos negros. National Science Foundation

A onda foi sentida pelos observatórios da LIGO no dia 14 de setembro de 2015 e o anúncio da medição foi feito no dia 11 deste mês. Em entrevista ao Portal InforMAST, Patrícia Spinelli e Sandra Benitez, astrofísicas do Museu de Astronomia, explicaram um pouco sobre a detecção que pode ser considerada uma revolução na ciência que estudam.

Segundo Sandra, bolsista PCI do MAST, a onda gravitacional é uma perturbação do próprio espaço-tempo que acontece quando corpos muitos massivos se aceleram em uma velocidade muito alta – perto da velocidade da luz. No caso de dois buracos negros que estão se orbitando (girando um ao redor do outro) e vão colidir, o espaço-tempo fica tão distorcido que uma onda gravitacional se expande.

"Se eu mexer a minha mão, vou estar perturbando o espaço-tempo. Só que a perturbação é tão mínima que, para detectarmos algo, precisamos de coisas maiores do Universo, como buracos negros ou estrelas de nêutrons, se movimentando muito rápido.", conta a pesquisadora. "Um buraco negro vai perturbar o espaço-tempo, produzir uma curvatura, mas sozinho não vai emitir ondas gravitacionais. Apenas movendo-se muito rápido [ao redor de outro objeto massivo] é que ele vai conseguir essa emissão."

Um buraco negro solitário, assim como qualquer outro objeto, curva o espaço, mas de forma simétrica, equilibrada. As ondas gravitacionais são geradas quando a simetria dessa curvatura se quebra. Isso acontece quando se tem um sistema muito massivo em movimento, espiralando muito rapidamente, como no caso dos buracos negros descobertos. A perturbação no espaço-tempo é tão grande que ele vibra.

Concepção artística de ondas gravitacionais sendo produzidas. ExtremeTech

Devido à relação relativística, proposta por Einstein em sua famosa fórmula E = MC², que possibilita a transformação da massa em energia, quando dois objetos massivos como os buracos negros colidem, o que sobra não é exatamente a massa de um somada à do outro. Parte da massa envolvida na interação se perde e transforma-se na energia das ondas gravitacionais geradas. Na verdade, os dois objetos só colidem devido a essa perda, que faz com que eles se aproximem ao longo do tempo. Se ela não existisse, orbitariam um ao outro eternamente.

Para explicar o fenômeno, Patrícia compara as ondas gravitacionais às ondas que observamos na água. "Se pensarmos em uma onda mecânica, por exemplo: se o mar está plano e a gente joga uma bolinha, gera-se uma onda. Só que para acontecer uma onda gravitacional, ou seja, essa oscilação do próprio espaço – o espaço-tempo se esticando e comprimindo – precisa-se de um objeto 'astrofísico', com uma massa muito grande."

A astrofísica conta ainda que a detecção não é, propriamente, uma descoberta, mas sim uma confirmação do que já se previa em modelos matemáticos. "Eles fizeram uma medição. Sempre que pensamos na metodologia de ciência, principalmente de Física e Astronomia, há duas maneiras de se fazer descobertas: ou a gente aponta o telescópio para o céu e, de repente, brilha alguma coisa que não vimos antes - e nós temos uma teoria para explicar esse brilho - ou pelo contrário: temos uma teoria, ela prevê vários tipos de fenômenos e aí você procura por esses fenômenos para comprovar a teoria". A detecção das ondas se encaixa no segundo caso. "Seria injusto dizer que essa é a primeira evidência de ondas gravitacionais, porque não é, mas é a primeira detecção."

Nos anos 70, indícios da existência das ondas foram encontrados em um sistema binário de pulsares. A quantidade de energia observada nesse sistema era menor do que a prevista pelos cálculos teóricos. O que se imaginou foi que essa energia faltante estaria sendo expulsa na forma de ondas gravitacionais. Cerca de uma década antes, o físico americano Joseph Weber, um dos pioneiros nas pesquisas para o desenvolvimento do laser, criou o primeiro equipamento para a detecção das ondas, que acabou não tendo resultados muito consistentes. O cientista foi citado, porém, por membros da equipe do LIGO como um dos fundadores desse campo da Astronomia.

O Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory (LIGO), comandado pelo California Institute of Technology (Caltech) e pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), e financiado pela National Science Foundation (NSF), é um projeto que se iniciou nos anos 90, com o objetivo de desenvolver um aparato capaz de detectar as ondas gravitacionais previstas pela teoria de Einstein. Em 2002, uma primeira versão do interferômetro começou a funcionar nos Estados Unidos. Depois de oito anos sem nenhuma detecção, o equipamento foi desativado, em 2010, para ser atualizado. No ano passado, o LIGO voltou a funcionar, tornando-se o aparelho de medição mais preciso do mundo.

O observatório funciona com duas instalações principais, com uma distância de 3.002 quilômetros entre si. Em cada uma delas, dois braços de 4 quilômetros, formando um L, abrigam feixes de laser em um espaço de vácuo. O sistema de lasers foi projetado de tal forma que, em uma situação "normal", ambos atingem o seu destino ao mesmo tempo e se anulam. Quando uma onda gravitacional passa pelo equipamento, ela pode expandir ou comprimir o espaço na direção pela qual um dos braços se estende, enquanto na do outro ele permanece inalterado, fazendo com que um dos feixes chegue antes ao seu destino. Se isso acontece, um sinal é registrado. O sistema pode detectar distorções no espaço mil vezes menores que um próton.

Gráfico representando a captação das ondas.

O fato de haverem duas instalações separadas por 3.002 quilômetros, localizados em Louisiana e Washington, nos EUA, permite que se faça uma espécie de triangulação sobre o sinal captado. Dessa forma, pode-se determinar uma área do céu de onde as ondas vieram, mas sem muita precisão. "Agora [os cientistas] vão fazer o que nós chamamos de follow up: depois da detecção, apontam-se os telescópios que são capazes de observar isso nessa direção para ver se eles fazem a observação.", explica Patrícia. No caso dos dois buracos negros, como não há luz, podemos apenas observar os efeitos que sua gigantesca força gravitacional provoca no brilho de estrelas e galáxias próximas. A onda atingiu primeiro o observatório de Louisiana e 7,3 milésimos de segundo depois o de Washington. O sinal durou aproximadamente 0,2 segundos.

Segundo Sandra, os cálculos e as análises realizadas após a medição são fundamentais para o estudo. "Não só o detector e as detecções são muito importantes, mas como você resolve as equações de Einstein com simulações numéricas muito potentes para validar o sinal. Então, o importante é que a gente consiga obter uma simulação numérica que observa exatamente a forma designada para dois buracos negros". As informações obtidas sobre a onda devem bater com o que os cálculos teóricos, de acordo com a Relatividade Geral, afirmam para dois buracos negros de tais proporções. Esses cálculos e simulações são feitos por supercomputadores e analisados por diversos cientistas.

"O que os astrônomos estudaram até agora foi, principalmente, através da luz. Ou a partir dos efeitos indiretos da gravidade. Mas agora é como um novo sentido, um novo espectro a explorar.", afirma a astrofísica. Durante o anúncio da detecção, na conferência do LIGO, foram comuns as analogias que colocavam a descoberta como uma nova forma de se "escutar" o Universo .

Para Patrícia, a possibilidade de estudar as ondas gravitacionais passando pela Terra abre caminhos para a pesquisa sobre os objetos extremamente massivos e suas origens, "esses grandes objetos, como os buracos negros. Também estudar colisões e perguntas em aberto, como se os buracos negros formaram-se antes das galáxias ou o contrário e como eles crescem. E essa é uma nova forma [de estudo]."

Foto do observatório LIGO em Hanford. LIGO

" Tem muita gente que sempre quer saber qual é a aplicação direta disso, a verdade é que as pessoas estudam Astronomia pela curiosidade sobre o Universo, o desejo de entendê-lo. Mas é interessante destacar que é uma ciência que atua na ponta da tecnologia, o que existe de mais avançado. Demora para chegar ao público, mas não é uma tecnologia que seria desenvolvida por uma empresa privada, são precisos grandes financiamentos, grandes colaborações para se desenvolver essa tecnologia que, eventualmente, chega às pessoas.", afirma a pesquisadora do MAST.

"De fato, o professor Weber, que começou a estudar as ondas gravitacionais nos anos 50, foi também o pioneiro do laser – que agora é tão utilizado em diversas áreas, até mesmo pela medicina. Então em algum momento [a tecnologia] chega, mesmo que demore 50 anos.", completa Sandra.

Os brasileiros que participaram da pesquisa foram Riccardo Sturani, pesquisador do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp), Odylio Denys de Aguiar, Marcio Constâncio Júnior, César Augusto Costa, Allan Douglas dos Santos Silva, Elvis Camilo Ferreira e Marcos André Okada, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).