Observando o MAST


Foto: Pavilhões das Lunetas Meridianas Bamberg e Askânia/Crédito: Renata Bohrer.


Na coluna anterior, você conheceu a história do símbolo maior do Serviço da Hora (SH). A Torre de Ferro (Torre do Balão da Hora ou do Balão do Castelo) serviu por anos como o principal canal de disseminação da hora civil; entretanto, a sua função sinalizava a última etapa de um trabalho complexo que desde o século XIX vem sendo realizado pelo Observatório Nacional(na época, Observatório Imperial do Rio de Janeiro). Neste mês, Observando o MAST reúne objetos que marcaram literalmente a passagem de tempo do nosso país e que, hoje, integram o acervo do Museu de Astronomia e Ciências Afins.

Até o início da década de 60, o Observatório determinava a hora a partir das observações de estrelas previamente catalogadas em sua passagem pelo meridiano local (plano definido pelo círculo máximo da esfera celeste que passa pelo zênite e pelos polos celestes). De acordo com o astrônomo Jair Barroso, cerca de 10 a 20 astros eram observados por noite. As observações eram feitas através de lunetas meridianas. Esse tipo de instrumento permite a medida tanto da altura quanto da hora em que o astro culmina. Assim, mede-se com precisão a sua localização no sistema de coordenadas horizontais. Utilizadas desde o século XVIII, na confecção de catálogos celestes precisos, as observações com as lunetas meridianas eram a maneira mais eficiente para medir o tempo associadas a pêndulas, até a chegada dos relógios a quartzo e atômicos.

Foto: Pavilhão da Bamberg/ Crédito: Renata Bohrer.

Construído em 1915, o Pavilhão da Luneta Meridiana Acotovelada Bamberg possui grandes janelas na direção norte-sul. Essas janelas foram incluídas estrategicamente para a prática da observação meridiana do céu, assim como para aferição do instrumento através das miras situadas no meridiano da luneta. Desenvolvida por Carl Zeiss, a cobertura do pavilhão é própria para lunetas meridianas, com trapeira móvel que permite a observação da passagem dos astros justo pelo meridiano local. Nele, está instalada uma luneta meridiana acotovelada, de fabricação Carl Bamberg (Berlim - Alemanha), com lente objetiva de 0,11 m de diâmetro e 1,20 m de distância focal. Esse instrumento era utilizado para a determinação da hora local, com o auxílio de uma pêndula e de um cronógrafo. Não foram encontrados indícios de que esse pavilhão tenha sido projetado, inicialmente, para a Bamberg.


Foto: Askânia na mira/ Crédito: Renata Bohrer.

De acordo com os registros do acervo museológico do MAST, o Pavilhão da Luneta Askania foi originalmente construído para receber outro instrumento. Concluído em 1915, o pavilhão abrigou por um tempo a Luneta Meridiana Heyde (para uso do Serviço da Hora). A edificação traz paredes de venezianas duplas, teto móvel para observação do céu e janelas que se abrem na direção norte-sul. Assim como a da Bamberg, as janelas permitem a observação dos astros e a aferição do instrumento através das miras localizadas ao sul do pavilhão. Na década de 1950, a Meridiana Heyde foi substituída pela Luneta Meridiana Acotovelada Askania como parte do processo de modernização do Serviço. De fabricação alemã (AskaniaWerke-Berlin), essa meridiana possui uma lente objetiva de 0,07 m de diâmetro e uma distância focal de 0,68 m.

As lunetas meridianas foram usadas para observação da passagem das estrelas pelo meridiano local e, consequentemente, para a determinação da hora, com auxílio de pêndulas e cronógrafos instalados nos pavilhões. O cronógrafo reproduzia o sinal do segundo transmitido pela pêndula da Sala da Hora. O instante obtido por uma pêndula e depois pelos relógios eram comparados com os registros das medidas de ascensão reta dessas estrelas observadas e convertido na hora média local, fornecendo uma diferença que representava o estado (“erro”) do relógio.

Desde que as observações meridianas foram empregadas para determinação da hora, os sistemas operacionais tiveram poucas alterações. Em relação à atualização das coordenadas de catálogo e aos procedimentos para as correções instrumentais houve apenas o aprimoramento no emprego e no cálculo das expressões analíticas do problema. A redução de uma noite de observação de 12 estrelas gerava tipicamente um resultado de erro médio dos relógios da ordem de 0,005 segundo.

Antes do relógio de quartzo, o Observatório gerava e transmitia o sinal horário através de pêndulas instaladas no porão do prédio da Sala da Hora. Para assegurar o pleno funcionamento das pêndulas, a instituição corrigia a marcha desses objetos a partir de sinais horários recebidos, via radiotelegrafia, inicialmente, dos Observatórios de Paris, Greenwich e Washington.

Foto: Instrumentos do SH/ Crédito: Renata Bohrer.

No mesmo compasso que os cronômetros de marinha (relógios tidos como os mais precisos da época seja no mar ou em terra firme), as pêndulas tornaram-se instrumentos de referência de tempo nos observatórios astronômicos até a metade do século XX. No acervo do MAST, você encontra exemplares do que tinha de mais moderno nos observatórios de todo o mundo naquele período. São Pêndulas mestras em câmaras de vácuo — Riefler, surgida em 1889 (Britten,1922) e Shortt, em 1921 (Bosschieter, 2000). As pêndulas Shortt foram as de melhor precisão jamais construídas. Com elas (década de 1930), os cientistas conseguiam confirmar até irregularidades previstas na rotação da Terra.


Por volta de 1960, a frequência de oscilação de certos átomos foi a base para o desenvolvimento dos relógios atômicos, que passaram a ser o padrão de tempo. Com a criação da escala de Tempo Atômico Internacional – TAI, em 1969, pelo Bureau International des Poidset Mesures – BIPM (França); foi possível reunir informações de relógios atômicos localizados em observatórios e institutos de metrologia de todo o mundo. Segundo Jair Barroso, entre as décadas 60 e 70, as observações meridianas foram extintas, tendo funcionado apenas sobrepostas como balizamento das modernas.


“No final da década de 1960 e início da década de 1970 as observações meridianas, apesar já nessa última década estarmos utilizando padrões atômicos em nosso Serviço da Hora, tiveram seu uso descontinuado” – disse o astrônomo.


Atualmente, o Observatório Nacional utiliza um conjunto de sete padrões atômicos de feixe de césio e dois padrões atômicos de maser de hidrogênio para a geração da Hora Legal Brasileira.

Foto: Pavilhão da Askânia/ Crédito: Jaime Acioli.

Observando o MAST, você consegue ver o local exato em que ocorriam as atividades de observação dos astros para a obtenção da hora civil. Da janela do pavilhão da Askania, é possível espiar os instrumentos utilizados na época. Além da luneta meridiana, a pequena casa de madeira abriga uma pêndula, um cronógrafo e mobiliário (utilizados pelos astrônomos escalados para a atividade noturna). Em processo de restauração, a luneta Bamberg não está disponível ao público nesse momento. Entretanto, dá para conferir o seu pavilhão (parte externa) construído no campus. Já as pêndulas a vácuo (incluindo as Shortt) podem ser vistas na sala conhecida como a Sala Azul da Reserva Técnica do MAST.


Ainda no campus é possível ver a edificação construída para ser o local do Serviço da Hora. Inaugurado em 15 de junho de 1917, o Pavilhão Dr. Luiz Crulz logo deu início aos testes para a transmissão radiotelegráfica da hora segundo a convenção internacional assinada pelo Brasil. Atualmente, o espaço abriga a Divisão de Atividades Educacionais do ON. Desde 2004, a Divisão do Serviço da Hora funciona no prédio intitulado de Carlos Lacombe, em homenagem ao engenheiro que atuou no SH no século XX.

Além dos instrumentos, na exposição “Faz Tempo”, o público pode conferir um pouco mais sobre a história do Serviço da Hora Legal Brasileira. Através de aparatos interativos, é possível conhecer o processo evolutivo dos mecanismos de medição da hora. Dividida em dois espaços, a exposição fica nos pavilhões da Luneta Equatorial 21 cm e do Círculo Meridiano de Gautier.


Fontes:
Referências Bibliográficas
Rodrigues, Teresinha. Observatório Nacional - 185 anos: protagonista do desenvolvimento científico-tecnológico do Brasil. Ed.:Rio de Janeiro: ON, 2012. Da pêndula ao Césio, do balão da hora ao sincronismo eletrônico: metrologia em tempo e frequência no Brasil. Página: 97-123

WILBERT, Henrique Luiz.Análise tecnológica do acervo de instrumentos do MAST: lunetas do campus.Rio de Janeiro : MAST, 2002.20, ivp.Relatório do projeto Análise Tecnológica do Acervo do MAST.

Barroso, Jr. Jair; Junqueira,Selma. DIFUSÃO DA HORA LEGAL. In: Matsuura, Oscar (Org.). História da Astronomia no Brasil (2013). MAST/MCTI, Cepe Editora e Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Recife, 2014. Capítulo: 9.

RESENDE, Ive Luciana Coelho da Costa. Estudo de caso: estudo de aprofundamento sobre a história do campus MAST-ON, ocupação do Morro de São Januário e seu entorno: relatório técnico. Rio de Janeiro : MAST, 2008. 61f. : il. (MAST. Relatório técnico.

Sites:
www.mast.br
www.on.br
https://pt.wikipedia.org/wiki/Luneta_meridiana

Outros:
Arquivo de Serviço de Produção Técnica da Coordenação de Museologia do Museu de Astronomia e Ciências Afins – CMU/MAST.