Observando o MAST


Foto: Quarto de círculo na posição vertical.


Era 11 de junho de 1781. A fragata São João Baptista aportava no Rio de Janeiro. Dentro dela, entre outros aparatos, um instrumento metálico, dourado, ajudaria os pesquisadores que haviam saído da Europa, em direção à América do Sul, a determinar com precisão o posicionamento geográfico de algumas partes do Novo Mundo. O instrumento era conhecido como quarto de círculo e está, hoje, exposto no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), sendo, provavelmente, o objeto mais antigo de todo o acervo do Museu.

Linhas do Tratado de Madrid.

A promoção do tipo de expedição da qual a fragata S. João Baptista fez parte segue o contexto histórico das disputas entre Espanha e Portugal pelos territórios sul-americanos. Em 1750, foi firmado entre os dois países o Tratado de Madrid, que dava ao Brasil limites mais aproximados aos que ele tem hoje. O tratado visava pôr fim aos conflitos territoriais do período, especialmente na região do Rio da Prata (ao Sul do Brasil).

Anos antes, os dois países haviam entrado em conflito pelos territórios da Colônia de Sacramento, atual Uruguai, e a região dos Sete Povos das Missões, hoje o Rio Grande do Sul. Com o tratado, a Colônia de Sacramento passaria ao controle da Espanha e, em troca, os Sete Povos seriam de Portugal. Aconteceu, porém, que nem os portugueses de Sacramento quiseram deixar o local, nem os padres jesuítas espanhóis e os índios aceitaram abandonar os Sete Povos das Missões.

Em 1777, foi assinado o Tratado de Santo Ildefonso, segundo o qual, tanto a Colônia de Sacramento quanto os Sete Povos das Missões ficariam sob controle da Espanha. Em troca, a Ilha de Santa Catarina, invadida meses antes, seria devolvida a Portugal. A região do Rio Grande do Sul só seria novamente conquistada por Portugal no início do século XIX.

Comissões foram formadas pelos dois países para determinar com rigor os limites geográficos estabelecidos pelo Tratado de Ildefonso. Com elas, diversos instrumentos científicos de ponta, na época, foram trazidos à América. O quarto de círculo chegou ao Brasil na fragata portuguesa São João Baptista, em 11 de junho de 1781. Ele havia sido fabricado dois anos antes, em 1779, pelo construtor inglês Jeremiah Sisson.

Quarto de círculo na posição horizontal.

De acordo com os registros do acervo museológico do MAST, trata-se de um instrumento ótico, montado em um eixo vertical cilíndrico de quatro pés com quatro parafusos niveladores. Há um setor circular de um quarto de círculo com o limbo graduado de 0º a 115º. Este setor é provido de um sistema que possibilita fixá-lo nas posições vertical e horizontal. Existem duas lunetas: a 1ª com ocular prismática se desloca, mantendo sempre a direção do raio do setor; a 2ª luneta, paralela ao plano do setor, com pequeno ajuste para orientação. Existe ainda um contrapeso para equilíbrio do instrumento nas duas posições citadas.

De forma resumida, o instrumento funcionava com duas lunetas: uma móvel e uma fixa. Uma de cada lado de um quadrante - conhecido também como quarto de círculo. O quadrante poderia ser colocado tanto na posição vertical quanto na horizontal. A função do objeto era a de determinar a altura de um corpo celeste com precisão, objetivando calcular as coordenadas geográficas de um lugar.

O quarto de círculo de Sisson foi o primeiro objeto do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, fundado em 1827 por D. Pedro I. Instituição que trocaria de nome para Imperial Observatório, em 1846, e novamente, após a proclamação da República, para Observatório Nacional.

A história de como, quando e onde, exatamente, o quarto de círculo foi utilizado ainda haverá de ser pesquisada e registrada, mas o que se sabe é que, ainda em 1781, os astrônomos Francisco de Oliveira e Bento Sanches Dorta utilizaram-no para diversas observações solares que se encontram publicadas nas Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa.

Uma das ideias que fundamentaram a criação do Museu de Astronomia e Ciências Afins, fundado em 1985, foi justamente a de dar um lar e cuidados apropriados aos preciosos objetos, de imensa carga histórica, que um dia tiveram importante papel nos estudos e pesquisas do Observatório Nacional.

O quarto de círculo faz parte do acervo museológico do MAST desde que esse processo começou. Sua presença no acervo e a exposição ao público, assim como as dos diversos instrumentos científicos das coleções do Museu, é de fundamental importância na preservação da memória da ciência praticada no Brasil ao longo dos séculos.

Hoje, o quarto de círculo pode ser encontrado e apreciado na exposição “Olhar o Céu, Medir a Terra” do MAST. A mostra explora, através de diversos instrumentos e documentos históricos, a utilização de ciências como a Astronomia, a Cartografia, a Geografia e a antiga navegação astronômica na demarcação da configuração atual do território brasileiro.


Quarto de círculo na exposição "Olhar o Céu, Medir a Terra", do MAST.


Fontes:
www.mast.br/bases
wikipedia.com
Instruments in transit: The Santo Ildefonso Treaty and the Brazilian border demarcations (Isabel Malaquias)
www.mast.br/exposicao_permanente.html
Registros do acervo museológico do MAST